A minha é uma história trágica que eu, Flor de Mazozo, quis que fosse luminosa. Estes são os factos: estudei só até a 4ª Classe, fui uma comerciante próspera, o pilar económico de uma família com dez filhos. Sobrevivi ao tempo colonial, impus-me depois da independência, em toda a época de partido único. Tive bons reflexos e, de maneira sossegada, compreendi a lógica da economia do mercado, adaptando-me às transformações sociais do meu país e as do mundo.
Fui guerrilheira, viandante e já aconteceu estar adoentada durante muitos anos, coisa que eu nunca pensei que, também, pudesse ser um ofício. Algumas vezes, quando não tivesse nada importante que fazer, deixava-me estar, contemplando como uma voyeuse o mundo que me rodeia. Porém, o que eu adoro é ser borboleta, divagar sem sentido, estar sem juízo.
Bastou o meu casamento fracassar, ter que vender a boutique e a peixaria, sucumbi face às superstições: os meus filhos e os meus sobrinhos que até estudaram bem, um dia qualquer e nem sei por que carga de água chamaram-me de feiticeira. Para que não me linchassem ou para que eu não morresse de desgosto, preferi fingir-me de maluca. Os meus delírios, o que aconteceu comigo e com os meus, narradas por outros é o que, se abrirem as páginas deste livro, vocês lerão: foi testemunhando tudo que os meus filhos tornaram-se adultos, foi assim que eu me salvei.
Quando pássaros desenham arabescos em redor da minha cabeça, dançam no meu ventre seco e já sei que vou morrer amanhã, é aqui, e só mesmo aqui, na literatura, que eu aspiro à imortalidade.
Publisher | Mayamba |
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Edition no. | 1 |
Year of publication | 2020 |
Page numbers | 112 |
Format | Livro capa mole |
Language | Portuguese |
ISBN | 9789897612466 |
Country of Origin | Angola |
Dimension [cm] | 21 x 13,5 x 0,8 |
About Author |
Adriano Mixinge (Luanda, 1968). Historiador, Curador e crítico de Arte. |